quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Jovens redescobrem o prazer de cozinhar em casa

MARCOS DÁVILA
da Folha de S. Paulo

Com as incontáveis opções de lugares para comer fora de casa e de serviços de entrega em domicílio --sem mencionar a propagação dos alimentos pré-cozidos e congelados--, estará o velho fogão doméstico fadado a virar peça de museu? Diariamente, cerca de 45 milhões de brasileiros se alimentam fora de casa --número que tende a aumentar, segundo dados divulgados pela Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) neste ano. Em 2004, o segmento de "food service" (alimentação fora do lar) cresceu 15,5% contra 9,7% do varejo.

De acordo com a associação, daqui a 15 anos, o percentual de gastos com a alimentação fora de casa corresponderá a 40% de toda a despesa com comida.

Enquanto esses números avançam, uma contracorrente de homens e mulheres junta esforços pela sobrevivência do fogão. São jovens que cresceram com a cultura da fast food, mas que estão redescobrindo o prazer de cozinhar e, principalmente, de dividir a comida com os amigos e a família, em aulas, grupos de encontro e confrarias.

Além de ser garantia de uma comida quase sempre mais saudável, cozinhar em casa é visto como uma forma de "terapia", contribuindo para o bem-estar físico e mental. Mas a conversa ao pé do fogão é o principal tempero desse retorno às panelas nas grandes cidades.

A professora Luana Chnaiderman de Almeida, 29, e o historiador Luís Filipe Sivério Lima, 29, reformaram recentemente o apartamento onde vivem, em São Paulo, com o objetivo principal de unir a sala à cozinha --que também foi equipada com um fogão industrial.

Pelo menos uma vez por semana, o casal recebe amigos para jantar, e a cozinha, a área preferida dos donos e das visitas, estava ficando pequena demais.

"A cozinha é o coração da casa", afirma Luana. Ela acredita que cozinhar serve como pretexto para reunir os amigos e conversar. "Parece que cozinhar para si mesmo não tem sentido. Sempre que fazemos uma comida boa, ficamos pensando em quem vamos chamar para comer", diz.

Outra vantagem de cozinhar em casa, para ela, é a hora de pagar a conta: "Comer bem em São Paulo sai muito caro e nem sempre se come realmente bem. Além disso, nunca ficaria cinco horas conversando num restaurante", diz a professora.

Luana aprendeu a cozinhar com os pais e, quando casou, desenvolveu ainda mais suas habilidades culinárias ao lado do marido, que não tira os olhos do fogão --e dos livros. "Filipe é maníaco por bibliografia", brinca Luana. Se ele resolve fazer um prato novo, procura a receita em pelo menos três livros diferentes para poder fazer comparações.

"Primeiro, temos que jantar a bibliografia", diz Filipe, que defende a idéia de que as mulheres na cozinha são "mais práticas e desencanadas", enquanto os homens são "metódicos e perfeccionistas". "É cultural. Os homens cozinham menos e em ocasiões especiais. E as mulheres, muitas vezes, cozinham por obrigação", afirma ele.

Quando os livros são insuficientes, o historiador recorre à internet. Foi onde ele encontrou as receitas para um jantar temático irlandês, feito em comemoração do aniversário de um amigo aficionado pela cultura celta. "Preparamos alguns pratos regados a Guinness [cerveja escura típica da Irlanda], e um amigo levou uma gaita de fole. Depois do jantar, ficamos ouvindo músicas e histórias celtas", diz a professora.


O rumo da prosa faz lembrar que as palavras saber e sabor são derivadas do mesmo radical latino: "sapere" (ter gosto). "A relação da pessoa que cozinha com o mundo é muito diferente. Há uma abertura maior para outras sugestões não só de receitas mas de livros e músicas. O abacate pode ser doce ou salgado e com pimenta. Tem gente que não admite isso", afirma o professor de inglês André Ferreira Siqueira, 25, que há quatro anos se apaixonou pela arte de cozinhar por influência do irmão, que já trabalhou com um chef francês.

"Antes eu só sabia fazer aquele macarrão básico, que aprendi com a minha mãe por curiosidade, mas logo veio a necessidade de usar meus conhecimentos na cozinha", diz. Sempre que viajava com os amigos, ele acabava pilotando o fogão. Aos poucos, André começou a sofisticar o menu, lendo livros relacionados ao tema e, principalmente, pedindo dicas para o irmão.

Segundo o professor, cozinhar é um exercício de humildade: "Vejo que a minha referência não é tudo. O mundo não é só aquilo que eu enxergo. O meu mundo, inclusive, é muito pequeno", diz.

Num sábado à tarde, ele passa horas assando bolos e cookies para organizar um chá --sua outra grande paixão-- entre amigos. Para ter bons momentos à beira do fogão, entretanto, tempo e calma são ingredientes indispensáveis. "Não adianta cozinhar estressado e preocupado com o horário nem comer correndo. Aí é um trabalho como outro qualquer", diz.

Ele se recorda de quando cortou o próprio dedo ao preparar uma carne, apressadamente, para fazer uma feijoada. A dica de André é relaxar antes de começar a cozinhar: ouvir música, beber um bom vinho, tirar os alimentos da geladeira com calma.



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